28 de junho de 2010

Saint John of Cinema - Parte 2

Bem, há espaço pra tudo né! Sábado, da praça com Marco, à Budega da Roseira com Acid Queen e o apagão, ao Livramento Palace com o pessoal do Circo Vox até às 6h da manhã, saindo às gargalhadas: "ONDE ESTÃO NOSSOS ÓCULOS ESCUROS?!"

Porém domingo bom é domingo sussa, então depois do meu almoço japonês voltei ao modo cinemático.

- Núpcias de Escândalo****
[The Philadelphia Story, 1940 - EUA. De: George Cuckor. Com: Katharine "Deus" Hepburn, Cary Grant e James Stewart]

"A melhor idade para julgar as pessoas é... nunca!"
Junte uma jovem divorciada rica e temperamental + seu charmoso ex-marido + um escritor/repórter sensacionalista frustrado = "Núpcias de Escândalo". Dirigida por um dos mais legendários diretores e estrelada pela mulher considerada a maior atriz do cinema [Katharine Hepburn mantém o recorde de 4 Oscars, ainda viva!], essa comédia de 1940 é um delicioso estudo de caráter sobre as relações pessoais na alta classe, mas que se mantém atual em nossa sociedade fetichista pelo "estilo de vida dos ricos e famosos."
O filme começa mostrando o fim do casamento de Tracy Lord [Hepburn] e C.K. Dexter Haven [Grant]. Dois anos depois, Tracy está prestes a se casar com o emergente George Kittredge [John Howard] e o evento se torna alvo de Sidney Kidd [Henry Daniell], editor-chefe da revista de fofoca "Spy", que envia para conseguir a história Macaulay Connor [Stewart], escritor - feito jornalista de fofocas para ganhar a vida - e sua fotógrafa e "amiga", Liz Imbrie [Ruth Hussey]. Com exceção da pequena Dinah [a fantástica e hilária Virginia Weidler], irmã de Tracy, a família Lord odeia a imprensa, portanto os jornalistas recebem a ajuda de ninguém menos que Dexter. A partir do momento em que todos se encontram na propriedade dos Lord, a confusão se instala e uma série de revelações e surpresas acontecem de forma deliciosamente cômica.
O centro das atenções, Tracy, é inteligente e refinada, a epítome da mulher que veste a armadura de seus padrões a fim de esconder sua frágil inabilidade em compreender o mundo e o amor além de suas fronteiras. A magistral Katharine Hepburn [que não tem parentesco algum com Audrey Hepburn] nos dá uma Tracy terrivelmente adorável, mesmo que sarcástica, nos tornando fascinados por ela, ainda que repelidos. É isso que acontece com Macaulay Connor que, disposto a revelar as podres rachaduras da alta sociedade, se dobra aos humanos encantos de Tracy, apesar de também tomá-la como a deusa que ela impõe.
O roteiro de Donald Orgen Stweart, baseado na peça de Philip Barry, é de um colorido humor ácido, recheado por diálogos tão ferinos quanto citáveis que entregam com extrema naturalidade as características das personagens. Há momentos tão hilários capazes de alfinetar em culpa aqueles que torcem o nariz para filmes clássicos por acharem-nos chatos. A jovem Weidler rouba todas as cenas, quando presente, com um tino de comédia invejável [a cena em que ela se apresenta aos jornalistas é de chorar de rir], e a química entre os três protagonistas é de igual graça. Tudo conectado pela magistral direção de George Cuckor, autor das melhores adaptações teatro-cinema, como Nascida Ontem [1950] e Minha Bela Dama [1964].
Mais: a direção de arte é perfeita e o figurino [especialmente o de Tracy] é fantástico.

- Quart4B***
[Quart4B, 2005 - BRA. De: Marcelo Galvão. Com: pais neuróticos e um tijolo de maconha prensada]

O que fazer quando maconha é encontrada na sala de aula de seu filho? Esse é o argumento da comédia de Marcelo Galvão que retrata uma reunião de pais e mestres após o ocorrido. Porém, esqueça defesas ou condenações, o inteligente roteiro de Galvão se concentra nas reações e motivações humanas diante do tabu.
Após votação e decisão de fumarem um baseado como experimento, as personagens transcendem a discussão da legalização ou não da droga e atingem o nível do comportamento humano em geral.
Embora a edição pareça às vezes confusa, ela de maneira interessante mostra a "viagem" das personagens sob o efeito da droga, o que acrescenta ao ponto de vista gêneroso e quase imparcial do diretor. Numa dessas viagens, uma personagem imagina que tudo não se passa de um filme, tornando a experiência de assistir "Quart4B" ainda mais gostosa e, sobretudo, engraçada.

- Matador***
[Matador, 1986 - ESP. De: Pedro Almodóvar. Com: Antonio Banderas, Assumpta Serna, Nacho Martínez, Eva Cobo, Chus Lampreave, Carmen Maura]

Todos os elementos de Almodóvar estão presentes, mesmo que este seja um dos seus primeiros filmes: as imagens chocantes, as cores vibrantes associadas a enquandramentos quase obscenos, sexo, amor e morte. O interessante de ver a trajetória de diretores ainda em atividade é perceber as temáticas e histórias que se repetem ao longo de sua carreira.
Em Matador, Antonio Banderas é Ángel, um estudante de toureiro tímido e sexualmente reprimido devido à criação dada pela mãe - que é do Opus Dei. Após tentar estuprar Eva [Eva Cobo], a namorada de seu mestre [Nacho Matínez], Ángel decide assumir uma série de assassinatos aos quais não cometeu.
Em espanhol, "matador" é um dos sinônimos para toureiro e elementos do trabalho do matador são cruciais no desenvolvimento da trama. Apesar de manter a áurea de thriller, o filme é confeitado com o delicioso humor negro, inerente à maioria das obras do diretor, ainda que se perceba um escurecimento no tom. Assumpta Serna é a epitome da sensualidade como a advogada de defesa de Ángel; sua primeira cena, por exemplo, é de tirar o fôlego! E Pedro explora isso até quando ela passa batom vermelho.
Por outro lado, Eva Cobo é etereamente linda, mesmo quando nua e vestida para ser sexy, sua beleza é filmada pelo diretor de forma quase virginal. Chus Lampreave e Carmen Maura também fazem participações cômicas memoráveis como a mãe de Eva e a psiquiatra de Ángel, respectivamente.
O filme, porém, ainda está longe da perfeição dos mais recentes do diretor. O roteiro contém buracos aqui e acolá: nunca sabemos as reais motivações de Ángel, por exemplo, e algumas personagens, como a mãe de Ángel, são deixadas pelo meio da trama. Ainda assim, Matador é um filme ótimo e essencial para amantes de Pedro Almodóvar.
Três curiosidades: Pedro faz uma participação como ator, representando o estilista de um desfile feito por Eva, numa cena hilária onde ele indica alguns dos temas centrais do filme. Outra coisa é que a temática das touradas será retomada por Almodóvar no sensacional drama de 2002, Fale com Ela - mas, como acima mencionado, o clima e o tom são completamente diferentes e, digamos, melhor trabalhados. E finalmente, para quem gosta de Madonna e conhece o clipe de Take A Bow, é interessante notar como algumas cenas do filme pareceram inspirá-la, como uma cena em que o mestre de Ángel beija a amada pela televisão.

Um comentário:

  1. Almodovar dispensa comentários, é aceitação certa. Recentemente ganhei um dos boxes dele e posso dizer que foi um dos melhores presentes que já pude receber (Tudo sobre minha mãe, Volver, Má Educação e Fale com ela). Quero ainda completar minha coleção. Grande cineasta!

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